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A escravização aos preconceitos e o estudo da Antiguidade; sobre a urgência de nos libertarmos!

Publicado em: A escravização aos preconceitos e o estudo da Antiguidade; sobre a urgência de nos libertarmos!

 

Foram encontrados dois corpos nas imediações de Pompéia.

Um deles tinha uma compleição que permite supor que fazia atividades físicas regulares. Foi qualificado como tendo estatuto de escravo (pode ser que ele tenha sido escravizado, mas pode ser que seja um camponês de nascimento livre ou um trabalhador urbano livre pobre, que exercesse atividades que demandassem esforço físico, como a construção civil ou metalurgia). São Paulo já dizia: “Quem não trabalha não terá o que comer”. (É a lição de 2 Th 3, 6-14.)

O outro tinha um corpo mais frágil, indicando nunca ter se dedicado a trabalho braçal. Esse foi qualificado como homem, ou homem rico. Pode ser… Mas ele poderia ser um escravizado que exercesse tarefas domésticas que não demandassem esforço físico, como administrador ou tesoureiro, ou mesmo deliciae de seu senhor.

Ou seja, a inferência de que um fosse escravizado e o outro fosse livre parte de uma noção sem fundamento, preconceituosa, de que os escravizados trabalhavam e os livres eram homens. Que nojo da persistência de interpretações equivocadas, fundadas em preconceitos elitistas, que se apresentam como se fosse o nosso passado! Não é isso e há outras formas de se ver a Antiguidade.

Trabalhos de muitos pesquisadores, meus inclusive, se ocuparam de mostrar que essa visão elitista é falsa! Homens livres trabalhavam e muito e tinha que lutar por sua sobrevivência. Havia escravizados que tinham uma condição financeira e social mais elevada do que livres. Além disso, a condição humana é permanente e universal, enquanto a escravização é provisória, transitória e não faz de ninguém “escravo” em contraposição a “homem”. Sêneca em suas cartas a Lucílio dizia: “São escravos? Não, são homens.” (Ep. Mor. 47, 1; cf. tb. De cl. 1, 18, 2, onde Sêneca afirma que nem tudo é permitido mesmo contra um escravo, pois há direitos próprios ao homem e aos seres vivos que se sobrepõem às marcas das desigualdades sociais – respeito à humanidade e à dignidade de todos os seres vivos!).

É preciso não desumanizar a condição de homens escravizados urgentemente nas leituras do passado. Isso traz reflexo na desumanização dos homens e mulheres que associamos a um passado escravo (racismo!) e ao trabalho (ódio social!). Temos muito trabalho a fazer para não ler em manchetes em jornais do mundo inteiro que foram encontrados em Pompeia um homem e um escravo. “São homens!”

 

 

 


Créditos na imagem: The casts of what are believed to have been a rich man and his male slave fleeing the volcanic eruption of Vesuvius nearly 2,000 years ago, are seen. Disponível em: https://www.voanews.com/europe/bodies-man-and-his-slave-unearthed-ashes-pompeii

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Fábio Faversani

Professor titular de História Antiga na Universidade Federal de Ouro Preto. É graduado em História pela Universidade de São Paulo e possui mestrado e doutorado em História Econômica pela mesma instituição. Tem pós-doutorado pela University of Oxford (2003 e 2012-2013) e University of St. Andrews.

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