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A extrema direita em Portugal e as agendas antigénero e antimigrações


Comentários: Júlia Garraio (CES)



Resumo


Ao longo da última década, a expressão ideologia de género, cunhada nos anos 90 pelo Vaticano, e a sua relação com movimentos conservadores de direita, de pendor religioso ou não, tem sido alvo de crescente interesse mediático e académico em diversas regiões do globo. Este interesse tem acompanhado o recrudescimento da mobilização deste rótulo à escala internacional, com destaque para o continente europeu e americano, que visa criticar e por em causa a legitimidade de políticas e iniciativas progressistas que compreendem desde a promoção de direitos sexuais e reprodutivos, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os direitos de parentalidade de pessoas LGBTQ*, a educação sexual, a políticas antidiscriminação de género e de resposta e prevenção da violência de género, entre outras. 


Em Portugal, a ascensão mediática e política do termo teve como principais marcos as mobilizações contra medidas legislativas de promoção de igualdade de género (iniciativas legislativas de reconhecimento de direitos a casais do mesmo sexo, como o casamento (2010) e a adoção (2016); as alterações ao Código Penal de 2015 no sentido de dar cumprimento à Convenção de Istambul e que consagraram a importunação sexual; e a lei de autodeterminação da identidade de género (2018), e contra iniciativas de promoção de igualdade de género no sistema de ensino (ie. polémica em torno das atividades promovidas pela ONG Rede Ex-Aequo no âmbito da disciplina de Cidadania numa escola pública portuguesa que foi criticada pelos partidos políticos referidos acima e por outros por corresponder a “doutrinação ideológica”).


Esta apresentação visa discutir os contornos da agenda antigénero a partir da análise discursiva dos posicionamentos recentes do dos partidos de extrema-direita PNR e Chega ao longo da campanha para as eleições europeias de 2019, pondo em evidência os cruzamentos com a agenda anti-imigração sobretudo no plano retórico (veiculação de discursos de exclusão, assentes em articulações binárias genderizadas e racializadas que opõem “nós” vs. “eles”, e posicionamentos antielitistas), mas também no plano estratégico (destacando o recurso aos media digitais como forma de acicatar e disseminar pânicos morais).


Estes dois atores políticos são conhecidos pelas suas posições anti-imigração, “antimulticulturalismo”, e pela oposição a iniciativas de promoção de igualdade de género, nomeadamente associadas a LGBTQ*, usando categorias de (cis)género e (hetero)sexualidade como critério de aferição de quem realmente integra o grupo de portugueses que importa defender. Todavia também é verdade que pelo menos o PNR tem mobilizado de forma pontual e contraditória com o seu historial de contestação da “ideologia de género” a bandeira da igualdade de género ou “femonacionalismo” (Farris, 2017) para justificar posições anti-imigração, especificamente o acolhimento de refugiados no contexto da “crise europeia dos refugiados”, à semelhança de outros atores políticos anti-imigração na Europa. Ao retratar grupos específicos de estrangeiros, neste caso muçulmanos, como portadores de ideias iliberais e tradicionais sobre a sexualidade, a família, e o papel das mulheres na família e na sociedade, visa justificar a sua agenda anti-imigração enquanto forma de garantir a sobrevivência da Europa e dos seus valores de igualdade de género.


Palavras-chave: ideologia de género, anti-imigração, refugiados, femonacionalismo.

Nota biográfica

Rita Santos: Investigadora júnior do Centro de Estudos Sociais e doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Os seus interesses de investigação relacionam-se com feminismo das Relações Internacionais e Estudos de Segurança; violência, género e armas de fogo; movimentos a favor do controlo de armas e desmilitarização; a agenda internacional sobre Mulheres, Paz e Segurança; e construções de raça e género nas representações de migrantes, refugiados/as e “outros/as internos/as”. 

Fonte: A extrema direita em Portugal e as agendas antigénero e antimigrações

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