Os direitos culturais na Constituição Federal
À vista das demandas relacionadas aos direitos civis a partir da segunda metade do século XX, é possível reconhecer determinados aspectos que, antes, não eram vistos com direitos fundamentais, como a questão cultural (CUNHA FILHO, 2018). Nesse sentido, evidencia-se que o debate sobre os direitos culturais é muito recente e têm passado por grandes transformações. Se antes o termo cultura estava relacionado somente à elite, atualmente sua valorização vem, em grande parte, das camadas populares.
Uma das primeiras legislações a abordarem o patrimônio do Brasil foi o Decreto-Lei 25/1937, que serviu como guia para organizar todo esse setor. O Decreto determinou que:
Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico ou artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.
A determinação deste Decreto significava, em primeiro lugar, que o patrimônio brasileiro estava relacionado somente ao conjunto de bens móveis, como edifícios, quadros, esculturas, etc. Em segundo lugar, nota-se que somente o Poder Público era capaz de instituir o patrimônio cultural, através do tombamento dos bens em questão (MENESES, 2012).
Como supracitado, os aspectos relacionados ao patrimônio são recentes e tem passado por um intenso processo de transformação. A partir das transformações da esfera cultural, sobretudo em relação ao julgamento de seus valores, a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, trouxe a noção de direitos culturais no Brasil de forma oficial. A Constituição Federal define que:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
No entanto, a promulgação da Nova Constituição não implicou o afastamento do Poder Público em relação à gestão do patrimônio cultural, muito pelo contrário. Dessa forma, quando um bem, seja de natureza material ou imaterial, é identificado como patrimônio cultural, cabe ao Poder Público promover a proteção do patrimônio, seja por meio de registros, inventários, ou de qualquer outra forma de preservação. É importante abordar que, ainda de acordo com o Artigo 216 da Constituição de 1988, em seu inciso quarto, os danos e as ameaças ao patrimônio cultural devem ser punidos, na forma da lei.
É preciso ressaltar que, como supracitado, o projeto de seleção dos bens culturais, bem como os imóveis, igrejas, edifícios e obras, sempre esteve relacionado ao interesse do Estado, sendo fundamental para a constituição da nação brasileira. Dentro do imaginário da formação nacional, é necessário estabelecer uma história, uma narrativa, associada a símbolos que conseguissem transmitir a identidade brasileira de forma geral. De acordo Gonçalves (2003, p. 41):
“Acreditavam que, para identificar ou “redescobrir” o Brasil, o país teria de retornar aos seus mais “autênticos” valores nacionais, os quais estavam supostamente fundados no passado, assim como valores regionais” (GONÇALVES, 2003, p. 41).
A ideia seria, portanto, que houvesse a criação de um discurso de unidade nacional em que os habitantes se reconheceriam, identificando-se como integrantes de um conjunto político (WEBER, 2004). Ainda segundo Weber, um povo é caracterizado por um conjunto de habitantes, mas só pode ser reconhecido como uma nação quando existe o sentimento de pertencimento, refletido através da linguagem ou da religião, por exemplo.
À vista disso, é possível observar que a determinação do patrimônio cultural está diretamente relacionado à construção da identidade do Brasil. Em primeiro ponto, essa identidade está relacionada às formas de interação, transmissão e preservação cultural, ou seja, é a partir das experiências que a identidade é construída, tratando-se de um processo (CHUVA, 2023). Já o patrimônio cultural brasileiro é constituído pelos bens materiais e imateriais que são atribuídos significados, dados em conjunto ou individualmente, que se referem à identidade e à memória de grupos sociais.
REFERÊNCIAS
CHUVA, Márcia. A relevância do Patrimônio Cultural e da Memória. Governo Federal, 2023.
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Teoria dos direitos culturais: fundamentos e finalidades. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2018.
GONÇALVES, José Reginaldo. Autenticidade, memória e ideologias nacionais: o problema dos patrimônios culturais. Revista Estudos Históricos, v. 1, n. 2, p. 264-275, 1988.
DE BRITO, Mariana Vieira. As escalas da nação. Nação e nacionalismo nas transformações da política de patrimônio no brasil. Revista geonorte, v. 4, n. 12, p. 664-676, 2013.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas. In: IPHAN. Anais do I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural. Brasília: IPHAN, 2012. v. 1, p. 24-39.
Créditos na imagem: Os direitos culturais na Constituição Federal. Anaximandro Amorim/Jures.
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