Museus não precisam de ser neutros, mas devem ser independentes… e rigorosos – a.muse.arte

Nas aulas de Museologia, há três décadas, ainda ouvíamos a defesa da neutralidade do museu como o mais relevante e central objetivo do discurso museológico. Lembro-me de alguns de nós nos questionarmos acerca da (im)possibilidade de construir um discurso neutro, de nos libertarmos da subjetividade e do contexto. Discutíamos, também, se seríamos capazes de identificar e anular os preconceitos (ou pré-conceitos) que nos amarram. E, alguns de nós, defendíamos a possibilidade de enunciar uma perspetiva, a nossa perspetiva, se a fundamentássemos, isto é, se a assumíssemos como hipótese de partida, construindo o discurso museológico com o rigor da pesquisa científica na sua validação. Cada vez mais se consolidou esta ideia, ainda que alguns aspetos fossem sendo alterados e corrigidos.
Hoje, o ICOM assume uma posição idêntica. Suay Aksoy, Presidente do ICOM, no encontro anual do CIMAM “The 21st Century Art Museum: Is Context Everything?” (15-17 nov., Sydney, Museum of Contemporary Art Australia), assumiu que:
Museums have two dimensions that make them of extreme relevance regarding the profound social changes the world is currently undergoing. On one hand, they play a scientific role in regards to cultural heritage. […] Meanwhile, on another hand, museums are not neutral. They never have, and never will. They are not separate from their social and historical context. (Aksoy, 2019)
Sydney, Museum of Contemporary Art Australia
Ao museu é atribuída a função de autoridade nos temas que expõe. O museu é uma instituição confiável certificadora e, como tal, definidora de conceitos e parâmetros e normalizadora de procedimentos, justificando a ligação à academia para a aquisição de conhecimento e respetiva confirmação num enquadramento teórico de base. Isto não é neutralidade, mas rigor científico.
Tal como o processo museológico se baseia num processo de seleção – a peça com maior capacidade representativa, não outra; a peça mais relevante no discurso, não outra – também o discurso enunciado assenta num processo de escolhas, ou de tomadas de posição. Como também referia Aksoy, “Choosing not to address climate [ ] change is not neutrality. Choosing not to talk about colonisation [ ] is not neutrality. Choosing not to advocate for equality is not neutrality” (id., ibid.). Cabe aos profissionais do museu, àqueles a quem couber a criação do discurso, defender a sua independência e liberdade de expressão, como lhes cabe a responsabilidade de aceitar o contraditório e a humildade de reconhecer outras vozes e outras perspetivas. O rigor do discurso museológico passa, também, pela sua atualização e sucessivas correções em função da discussão, dos debates argumentativos e, portanto, do estado da questão relativo ao tema.
Referência:
Aksoy, S. (2019, 6 dez.). “Museums do not need to be neutral, they need to be independent”. ICOM. Acedido em https://icom.museum/en/news/museums-do-not-need-to-be-neutral-they-need-to-be-independent/?fbclid=IwAR3rA0P5Yp70TZ-PBiNnxhssV532aKoVb6C8X4FEQ-Sg4IXGn52no14uoyc
Nota: no banner: Museum of Jewish Heritage, Nova Iorque
Fonte: Museus não precisam de ser neutros, mas devem ser independentes… e rigorosos – a.muse.arte