O futuro da profissão de bibliotecário – Bibliotecários Sem Fronteiras
Não tem como não assistir a reportagem da Andreza no globo reporter e não se identificar. Afinal, qual não foi o bibliotecário que acordava às 6 pra ir pra facul e voltava meia noite do estágio mal remunerado, comia aquela marmita vez ou outra estragada, mas fazia tudo isso esperançoso e hoje é um profissional com orgulho dessa saga? Não entendi bem se o programa era sobre o futuro do trabalho ou sobre pessoas que precisaram mudar suas rotinas para garantir um salário. Pagando bem, que mal tem? Ou ainda se era sobre o futuro da educação, porque gostar de aprender como requisito para o mercado de trabalho até ontem pra mim era somente sinônimo de diploma universitário.
De tempo em tempos sai na mídia estudos que indicam que ora a biblioteconomia é uma das profissões mais promissoras para o futuro, ora uma das condenadas a deixar de existir. Eu já fiz minha análise sobre o futuro do nosso trabalho e gosto sempre de acompanhar as taxas de ocupação da profissão. Não sei se o CFB possui esses dados compilados, mas vou chutar que nos últimos 20 anos o número de bibliotecários dobrou, refletindo o aumento no número de escolas de biblioteconomia também nesse recorte de tempo. A nossa população é pequena comparada a outras profissões, mas eu nunca consigo saber ao certo se estamos formando o número adequado de profissionais para a suprir a demanda real de vagas de trabalho, pra mais ou pra menos.
Me recordo quando da data de lançamento da lei da universalização das bibliotecas escolares haveria uma demanda reprimida de cerca de 175 mil vagas de bibliotecários referente aos postos em todas as instituições de ensino no país, e uma média de 20 mil profissionais registrados nos CRBs (considerando a relação dos que se aposentam e registram ao longo dos anos). Comparativamente, parece uma relação muito saudável, mas certamente há agora muitas preocupações sobre o excesso de bibliotecários se formando em um mercado de trabalho saturado, especialmente nas grandes capitais, e a mítica onda de aposentadorias que abriria muitas novas vagas, não parece estar acontecendo na escala prometida (aqui mesmo na firma tem um número grande de gente que já tem idade e tempo de serviço mas que prefere ou precisa continuar trabalhando pra manter a renda). Deve ter até um punhado de graduados que encontram um mercado de trabalho tão hostil que eles voltam para a escola e escrevem dissertações e teses sobre a crise do mercado de trabalho na área de informação. Ou seja, ainda que seja promissora conceitualmente, no mundo real o bibliotecário e outros profissionais estão disputando vaga pra ser entregador do rappi.
A outra equação do futuro do trabalho está no futuro da educação. Desafios de outras épocas como a crescente divergência de objetivos entre o curso de biblioteconomia e o mercado de trabalho, tanto para as habilidades administrativas quanto de administração, continuam os mesmos. Ninguém discorda que não tem como a universidade adequar seus currículos na mesma velocidade que as indústrias alteram suas formas de querer ganhar mais dinheiro. Mas individualmente, se um aluno só vai conseguir obter um pequena fatia de habilidades para o mercado e depois terá que ter contínua “disposição para aprender” então afinal pra que serve a faculdade?
Dizer que o profissional do futuro precisa gostar de aprender é tão óbvio quanto o desafio de aplicar um pacote de teorias e conceitos fundamentais, adaptando os conhecimentos adquiridos não só na faculdade, mas durante toda a vida, aos problemas elementares do trabalho remunerado. É uma estratégia bem simples. Mas não vai ter nenhum requisito de vagas de bibliotecários descrito dessa maneira.
Então bem, que tal fazer um apanhado das descrições de trabalho oferecidos a bibliotecários e traçar um paralelo com os tópicos oferecidos na formação tradicional nas escolas e em cursos de especialização? No linkedin mesmo tem uma variedade de vagas que ou exigem competências demais para o bibliotecário clássico ou trabalhos que exigem competências adicionais que não estão no currículo tradicional mas que poderiam ser realizados por bibliotecários. Isto é, tem as vagas muito tradicionais, as vagas muito especializadas e as propensas vagas. A maior parte dos egressos só consegue competir na primeira linha, que é natural em qualquer profissão, o que causa uma sensação de que o mercado está competitivo demais. Mas acho que existe uma margem grande hoje pra ter currículos flexíveis e professores/instrutores oferecendo disciplinas a distância, compondo um mega currículo agregado entre todas as escolas de biblioteconomia do país. E com isso ampliar a chance de competir naqueles outros dois segmentos de vagas. Mas isso é difícil demais de colocar em prática por conta da burocracia e dos feudos.
Eu fico feliz pela Andreza, que teve a sagacidade de ocupar nichos novos, mudar de cidade em busca de melhores oportunidades, que se manteve fiel ao ethos da profissão atualizando a práxis. Ela muito bem representa a classe. Como fazer agora pra replicar esse espírito, sem que ele seja mero fruto do destino individual?
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Fonte: O futuro da profissão de bibliotecário – Bibliotecários Sem Fronteiras