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Refluxo

Publicado em: Refluxo

Quando te encontrei pessoalmente me vesti de palavras (não aquelas que eu falo ao vento, que eu falo em geral).

algumas palavras eu só falava no divã. outras eu não me lembrava.

me vesti com as melhores palavras que eu tinha, as minhas mais verdadeiras e honestas palavras (algumas estavam lá no fundo da gaveta e eu nem sabia se serviam mais).

você tinha mesmas palavras, roupas-textos coincidentes. confundíamos nas palavras uma da outra. eu começava e você terminava (o pensamento, a música, a frase).

perto, as nossas roupas serviam uma para a outra. distante, servirão?

espaço é o que temos, por hora. o que temos é distância, umas centenas de quilômetros, climas e sotaques diferentes e a linha do trópico de capricórnio separando.

e a promessa de cuidado.

as palavras, muitas delas…

estavam sob a forma de música, sob a forma de simplicidade, sob a forma de achar graça nas coisas.

estavam sob a forma de rir, de falar com os cachorros (até aqueles que não tem mais um dos olhos), de admirar as narrativas (das meninas, das crianças que falam de cachorros cujos olhos ficam dependurados e de outras meninas e crianças, com os abraços que elas, naturalmente, dão).

estavam sob a forma de ver tucano em árvore e de ser perseguido por casais de araras.

estavam sob a forma de uma carona a um estranho; e quando se balança a cabeça e se diz – “essa música é demais” -, e no saborear a carne de sol depois de uma caminhada cansativa.

estavam na forma de “reclamar de mentirinha” da companhia uma da outra, de levar mordida de peixe nos sinais do corpo. e naquele olhar risonho que não precisava de palavra diante da sequência mc sapão e beethoven.

estavam moldadas como pedras redondinhas que ficam no fundo do rio (quando se mergulha de olhos abertos).

aquelas são as palavras com as quais não peleio, as palavras que de você eu reconheço.

as palavras estavam (até) sob a forma de silêncio.

e depois disso, eu juro: desengasguei.

 

 

 


Créditos na imagem: Arte de Alexandra Levasseur, disponível em: https://www.kaifineart.com/alexandralevasseur

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Rusvênia Luiza Batista Rodrigues da Silva

Sou mulher, mãe e professora. Virginiana com ascendente em Sagitário. Destra. Neta de Minas Gerais, dos dois lados. Trabalho na Universidade Federal de Goiás. Coordeno o Grupo Veredas, que vive na travessia de descobertas. Pesquiso na área da Geografia Humana em específico estudos etnográficos ligados temas diversos. Me interesso por ciência, filosofia e artes em geral.

Fonte: Refluxo
Feed: HH Magazine
Url: hhmagazine.com.br
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