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Onde mora a senhora liberdade?

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Ê Calunga, ê! Ê Calunga!
Preto velho me contou
Preto velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro nem feitor

(Paraíso do Tuiutí- 2018)

 

Nas palavras do preto-velho Fanon[1], a colonização é sempre um fenômeno violento. Não existe nada que justifique a sua defesa. Porém, a colonização como uma empresa de mentira, espólio e destruição ergueu um estatuto ontológico que autoriza sua presença e substancia a sua expansão. Esse estatuto racista, heteropatriarcal, político-teológico, adultocêntrico, antiecológico, armamentista e capitalista fundamenta um sistema complexo de produção de violências em que determinado modelo de humanidade e todas suas obras se manifestam contra a diversidade, reafirmando a não possibilidade de coexistência e por isso produzindo uma política de dominação e extermínio.

Nas palavras de Nêgo Bispo (Antônio Bispo dos santos, liderança quilombola e referência na crítica ao colonialismo), esse projeto dos senhores da cruz[2] é cosmofóbico. Ou seja, é contrário a diversidade de formas de existir, narrar e praticar o mundo, por isso o desejo desses homens é a destruição de tudo aquilo que não é igual a eles.  Nesse sentido, do lugar dos afetados por essa lógica e implicados com a justiça, o que resta enquanto possibilidade de vida é o contra-ataque. Nêgo Bispo chama atenção para essa ação como uma atitude de contra-colonização, que se inscreve como a transgressão dos padrões dominantes via aprendizagens e a constituição de um repertório plural de experiências referenciadas nos modos de vida dos vitimados pela guerra colonial.

Enquanto pedagogo tenho apostado na defesa de que a educação é uma das principais forças de luta contra a colonização. Digo isso, pois a educação tem como principal função a constituição do seres, não como existências padronizadas, mas como experiências que se dão a partir dos atos de liberdade. Entretanto, existe quem pensa exatamente o contrário e torna a fortalecer a toada colonial que produz danos em diferentes esferas da vida, inclusive no imaginário, nas subjetividades e na cognição. Dessa maneira, não reconhecem que a educação é uma tessitura de aprendizagens diversas e acabam a confundindo com uma espécie de moral conservadora. Essa legião crente nos postulados enaltecidos por uma história oficial é incapaz de reconhecer o quanto ainda somos subordinados a um padrão de existência e conhecimento. A colonização como um fenômeno político estrutural nos coloca uma questão de ordem educativa: como responder com vida aqueles que desejam a morte?

Em 2018 a Paraíso do Tuiutí levou a avenida um carnaval que narrou que em 130 anos de assinatura da lei áurea o que permanece no Brasil são as mesmas políticas que fundamentam séculos de exploração, tendo raça, gênero, patriarcado, catequese, latifúndio, exploração do trabalho, destruição do meio ambiente e as balas como alicerce. Ainda em 2018 mergulharíamos em caminhos ainda mais perigosos onde as liberdades aparecem cada vez mais escassas e os ferros dos feitores são apontados com sede de morte. A destruição da educação pública e o assédio aos professores junto ao acúmulo diário de notícias de barbárie institucional contra determinados grupos vem a escancarar os dois pontos principais aqui lançados. O primeiro admitir e se posicionar que o direito à vida e seu exercício em liberdade é uma demanda contra-colonial. O segundo é que a educação, talvez seja, a principal força e temor dos senhores do atraso, pois pode vir a forjar outra condição do ser, aquele que vive a liberdade.

 

 

 


REFERÊNCIAS

FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A, 1968.

SANTOS, Antônio Bispo dos. Colonização, quilombos- modos e significações. Brasília: INCT. Universidade de Brasília- UnB, 2015.

 

 

 


NOTAS

[1] Ver Fanon (1968).

[2] É importante que consideremos a cruz como principal signo ideológico na empreitada colonial. Assim, em uma análise semiótica a mesma se expressa como um dos primeiros símbolos da política de dominação praticada pelos portugueses em terras pindorâmicas. Dessa maneira, desde sua ilustração nas esquadras até as violências físicas e simbólicas via conversão, a cruz cumpre até os dias de hoje um argumento de “guerra justa” e aniquilação da diferença.

 

 

 

 


Créditos na Imagem: Ewherton Pereira. Reprodução Instagram/Paraíso do Tuiuti.

 

 

SOBRE O AUTOR

Luiz Rufino

Luiz Rufino é pedagogo. Doutor em Educação (UERJ), atualmente realiza pós-doutorado em Relações Étnico-Raciais (CEFET/PPRER). Desenvolve pesquisa sobre crítica ao colonialismo, epistemologias, educações e pedagogias outras e brasilidades.

Fonte: Onde mora a senhora liberdade?

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