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Perspectivas sombrias para periódicos do Brasil [Publicado originalmente no editorial do vol. 93 no. 1 nos Anais da Academia Brasileira de Ciências]

Publicado em: Perspectivas sombrias para periódicos do Brasil [Publicado originalmente no editorial do vol. 93 no. 1 nos Anais da Academia Brasileira de Ciências]

Por Alexander W.A. Kellner, Laboratório de Sistemática e Tafonomia de Vertebrados Fósseis, Departamento de Geologia e Paleontologia, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Tempos difíceis pela frente. Este é o sentimento geral de quase todos. Que a Covid-19 se transformaria em uma crise mundial (por exemplo, The world haunted by Covid-19), com efeitos devastadores que vão além da economia (por exemplo, Time and Covid-19 stress in the lockdown situation: Time free, «Dying» of boredom and sadness), estava bem claro desde o início. Agora, um ano depois da Organização Mundial de Saúde caracterizar a Covid-19 como uma pandemia, a situação está longe de ser resolvida, apesar da chegada de vacinas que oferecem a possibilidade de imunizar a população – mais rapidamente em alguns países do que em outros.

Como se pode imaginar, o sistema de publicação também foi impactado. Milhares de artigos foram publicados e várias edições especiais dedicadas à doença do novo coronavírus foram organizadas (por exemplo, Transparency in research and publications on COVID-19). Alguns governos despejaram recursos na ciência, tentando entender o vírus SARS-CoV-2 e como gerenciar a pandemia, havia – e ainda há – grande preocupação em relação à forma como a informação circula (por exemplo, The art of medicine COVID-19: the medium is the message). Mas não no Brasil, onde a falta de financiamento está afetando negativamente a ciência de várias maneiras (por exemplo, Science funding crisis in Brazil and COVID-19: deleterious impact on scientific output). Além disso, verifica-se que os periódicos científicos publicados no país estão no fim da linha de prioridades…

Não é segredo que a vida dos editores de periódicos publicados na América do Sul, principalmente no Brasil, foi ficando mais difícil na última década. Aumento da competitividade por bons artigos com periódicos internacionais, particularmente aqueles publicados na Europa e Estados Unidos da América (por exemplo, Brazilian scientific journals: challenges, (dis)incentives and one fundamental question), maior assimetria entre recursos e financiamento (por exemplo, Scientific publishing in developing countries: Challenges for the future) e periódicos predatórios (por exemplo, Dealing with predatory publishing is a shared responsibility: the role of Latin American journals) são alguns dos reveses. Todas estas adversidades impactam os manuscritos e os índices bibliométricos de um periódico, que podem variar dependendo da área científica (por exemplo, A brief summary of the impact and performance of different scientific fields at the AABC). A limitação de financiamento, principalmente, em face da miopia generalizada em relação às necessidades básicas de aprimoramento dos periódicos do Brasil e talvez de outros sul-americanos, é uma tendência que começou muito antes da pandemia.

Como foi ressaltado várias vezes antes, um mínimo de previsibilidade é necessário para prover estabilidade ao sistema de publicação. E financiamento é o aspecto fundamental para isso. Proposições para estender financiamentos por um mínimo de três anos foram sugeridas (Editors of Brazilian journals – a hard life that is getting harder!), mas nunca foram implementadas, apesar da discussão pública. Para piorar a situação, em 2020 não houve chamada de agências de fomento do governo brasileiro para apoiar financeiramente os periódicos. Tais convocatórias são essenciais para o sistema de publicação no país e sua falta significa que em 2021 cada periódico estará por conta própria.

O Journal Citation Reports (JCR) 2019 lista 122 periódicos publicados no Brasil, dos quais 55 têm Fator de impacto (FI) igual ou superior a um. Um breve levantamento deste último conjunto mostra que cerca da metade (27) cobra dos autores pela publicação, geralmente após o artigo ser aceito. Até o momento, os Anais da Academia Brasileira de Ciências (AABC) está evitando dar este passo por uma série de razões, mas não há certeza de por quanto tempo esta política pode continuar. Solicitar dos autores que subsidiem os custos de publicação pode ser o futuro de todos os periódicos, desde que sobrevivam a esses tempos difíceis, pois mesmo após a decisão de implementar taxas de publicação, esta medida só apresentará resultados concretos cerca de um ano depois. Todo periódico possui uma carteira de manuscritos aceitos para publicação ou em avaliação e, portanto, os editores são moralmente obrigados perante o autor a não aplicar condições que não estivessem em vigor no momento do recebimento do manuscrito – principalmente em relação a taxas. No caso da AABC, levantamento realizado do início deste ano até 16 de março, mostra que existem 376 manuscritos aceitos e 397 em avaliação (vários submetidos no ano anterior), além dos 204 já publicados ou com fascículos designados. Cartas e editoriais não incluídos. Considerando que no ano passado a AABC publicou 350 artigos, dá para ter uma noção da dimensão do problema. Sem apoio financeiro, este periódico, que é o mais antigo em circulação contínua do país, não pode aumentar o quadro de funcionários para permitir a publicação de mais artigos.

Além disso, se e o quanto um periódico cobra pela publicação também pode ser um fator que os autores consideram no processo de tomada de decisão sobre para qual periódico enviarão o resultado de sua pesquisa. Resta saber se a comunidade científica, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, que já enfrenta graves limitações na realização de pesquisas, encontrará espaço para estes custos extras. De uma forma ou de outra, as soluções devem ser discutidas pelas partes interessadas relevantes (por exemplo, instituições de pesquisa científica, agências de fomento, editores, sociedades científicas) para evitar o colapso do sistema de publicação que temos pela frente – ao menos no Brasil.

Referências

BRANDÃO, A., CUPOLILLO, E., and PIRMEZ, C. Brazilian scientific journals: challenges, (dis)incentives and one fundamental question. Mem Inst Oswaldo Cruz [online]. 2017, vol. 112, no. 10, pp. 653-653 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1590/0074-02760170001. Available from: http://ref.scielo.org/pxz2jp

DROIT-VOLET, S., et al. Time and Covid-19 stress in the lockdown situation: Time free, «Dying» of boredom and sadness. PLoS ONE [online]. 2020, vol. 15, no. 8, e0236465 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1371/journal.pone.0236465. Available from: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0236465

GARRETT, L. The art of medicine COVID-19: the medium is the message. The Lancet [online], 2020, vol. 395, pp. 942-943 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30600-0. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30600-0/fulltext

KELLNER, A.W.A. A brief summary of the impact and performance of different scientific fields at the AABC. An Acad Bras Cienc [online]. 2020, vol. 92, no. 4, e2020924 [viewed in 31 March 2021]. https://doi.org/10.1590/0001-37652020924. Available from: http://ref.scielo.org/223pbp

KELLNER, A.W.A. Editors of Brazilian journals – a hard life that is getting harder! An Acad Bras Cienc [online]. 2017, vol. 89, no. 1, pp. 1-2 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1590/0001-37652017891. Available from: http://ref.scielo.org/rds2mg

MARTELLI JÚNIOR, H., MARTELLI, D.R.B., and MACHADO, R.A. The world haunted by Covid-19. An Acad Bras Cienc [online]. 2020, vol. 92, no. 1, e20200560 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1590/0001-3765202020200560. Available from: http://ref.scielo.org/qnmkh9

MEMON, A.R. Dealing with predatory publishing is a shared responsibility: the role of Latin American journals. An Acad Bras Cienc [online]. 2019, vol. 91, no.4, e20180631 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1590/0001-3765201920180631. Available from: http://ref.scielo.org/76qjc5

OLIVEIRA, E.A., et al. Science funding crisis in Brazil and COVID-19: deleterious impact on scientific output. An Acad Bras Cienc [online]. 2020, 92, no. 4, e20200700 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1590/0001-3765202020200700. Available from: http://ref.scielo.org/p7fdxq

SALAGER-MEYER, F. Scientific publishing in developing countries: Challenges for the future. J English Acad Purp [online]. 2008, vol. 7, no. 2, pp. 121-132 [viewed in 31 March 2021]. https://doi.org/10.1016/j.jeap.2008.03.009. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1475158508000271?via%3Dihub

SOUZA, A.S.R., et al. Transparency in research and publications on COVID-19. Rev Bras Saúde Matern Infant [online]. 2021, vol. 21, suppl. 1, pp. S5-S7 [viewed in 31 March 2021]. http://doi.org/10.1590/1806-9304202100S100001. Available from: http://ref.scielo.org/5z4vs8

 

Sobre Alexander W.A. Kellner

Professor Titular e membro da Academia Brasileira de Ciências, é editor-chefe dos AABC. Realizou doutorado na Columbia University (Nova York) e atua no Museu Nacional/UFRJ, para qual foi eleito diretor (2018-2022). Desenvolve pesquisas na área de paleontologia, em especial a evolução e diversificação de répteis fósseis, sobretudo dinossauros e pterossauros (vertebrados alados). Além de diferentes regiões brasileiras, realizou atividades de campo em países como Antártica, Irã, China, Argentina e Chile.

 

Artigo original em inglês

https://doi.org/10.1590/0001-37652021931

 

Traduzido do original em inglês por Lilian Nassi-Calò.

KELLNER, A.W.A. Perspectivas sombrias para periódicos do Brasil [Publicado originalmente no editorial do vol. 93 no. 1 nos Anais da Academia Brasileira de Ciências] [online]. SciELO em Perspectiva, 2021 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2021/04/01/perspectivas-sombrias-para-periodicos-brasileiros/

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