O Manifesto da Biblioteca Escolar: 25 anos depois

Publicado em: O Manifesto da Biblioteca Escolar: 25 anos depois
Como muito se recordam, Em 1999, a IFLA e a UNESCO aprovaram um documento que marcou profundamente a forma como entendemos a biblioteca escolar, tratou-se do Manifesto da Biblioteca Escolar . Publicado em português no ano 2000, foi durante mais de duas décadas a referência essencial para as políticas e práticas das Bibliotecas Escolares. Nos últimos anos, uma equipa de peritos, ouvindo as vozes dos profissionais da área trabalhou na sua atualização e, agora, em 2025 , foi publicada a versão revista , resultado de um processo de discussão e atualização que traduz a evolução das sociedades, da escola e da própria ideia de biblioteca.
Porque foi necessário rever o Manifesto?
A escola de hoje já não é a mesma da que existia na mudança do milénio. O mundo digital (generalização do uso da Internet, as redes sociais e a massificação da Inteligência Artificial, transformou radicalmente a forma como os alunos aprendem, comunicam e participam na vida social. Houve mudança nos modos de aprendizagem: as metodologias ativas, a aprendizagem colaborativa, o inquiry-based learning, a aprendizagem ao longo da vida, as competências de pensamento crítico, adaptabilidade — tudo isso exige bibliotecas que sejam dinâmicas, híbridas, digitais, colaborativas.
A inclusão e a diversidade tornou-se não apenas uma aspiração, mas um imperativo ético e legal. As desigualdades de acesso à informação ganharam novas formas, incluindo a exclusão digital. Ao mesmo tempo, a agenda internacional da educação passou a estar fortemente influenciada por compromissos globais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Sente-se a necessidade de existir uma advocacy mais forte: as bibliotecas escolares competem por recursos, relevância, visibilidade, financiamento, … importa existir uma evidência, um alinhamento institucional, um alinhamento com as tendências atuais que faz com que um Manifesto seja também uma ferramenta de defesa perante governos e comunidades.
Neste contexto, o Manifesto precisava de refletir estes desafios, dando novas ferramentas de advocacy aos profissionais e atualizando a linguagem sobre o papel da biblioteca escolar.
O que mudou?
O Manifesto de 2025 introduz algumas novidades decisivas:
- Integração plena do digital: a biblioteca escolar deixa de ser vista apenas como espaço físico e passa a ser um “programa” que inclui coleções físicas e digitais, plataformas online e serviços virtuais.
Em 2025, há um destaque explícito para literacias digitais, media, tecnologias, coleções físicas e digitais; “learning commons” e espaços virtuais. No documento antigo já se referem a suportes eletrónicos ou remotos mas de forma menos integrada.
- Literacias múltiplas: além da leitura e da literacia da informação, há um foco nas literacias digital, mediática e visual, ligadas ao pensamento crítico e à cidadania global.
- Inclusão e equidade: amplia-se a lista de grupos a contemplar — identidade de género, orientação sexual, deficiência, língua, estatuto socioeconómico, com atenção explícita à “fratura digital”.
O novo Manifesto coloca uma grande ênfase em garantir que a biblioteca serve todos: independentemente de género, orientação sexual, identidade, língua, deficiência, status económico, etc. Há também preocupação explícita com a exclusão digital.
- Advocacy e políticas globais: o novo texto liga diretamente a biblioteca escolar às metas internacionais da ONU, reforçando a sua dimensão estratégica e global, referindo-se os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, Declarações internacionais (Direitos da Criança, etc.)
- Espaços físicos e virtuais integrados – O novo documento considera tanto espaços físicos como digitais, aprendizagem híbrida, colaboração remota; e oferta de serviços para além do espaço escolar tradicional.
Avaliação e visibilidade: reforça-se a necessidade de monitorizar, avaliar e dar visibilidade pública ao impacto da biblioteca, (maior ênfase no uso de dados, avaliação contínua, prestação de contas, visibilidade pública – website, redes, … ) incluindo a sua presença no projeto educativo da escola e na comunicação institucional.
O que se mantém?
Apesar das mudanças, há ideias que permanecem como pilares:
- Parte integrante do processo educativo: a biblioteca continua a ser entendida como espaço nuclear no ensino e aprendizagem.
- Promoção da leitura e da imaginação: O hábito de ler, prazer da leitura; habilidades de procurar, usar, avaliar informação; literacia informacional, em suma a leitura, em todas as suas formas, mantém-se como eixo estruturante.
- Acesso livre e democrático: a liberdade intelectual e o combate a qualquer censura ou limitação injusta são reafirmados.
- Necessidade de profissionais qualificados: a figura do bibliotecário escolar, com formação especializada e atualização permanente, é central. No entanto, na edição de 2025 ao bibliotecário passa a exigir-se não só qualificação, mas liderança em literacias emergentes, gestão de espaços híbridos, colaboração pedagógica, visibilidade institucional.
- Financiamento e legislação: Continuação do pedido de legislação/políticas específicas; financiamento sustentável; programas de educação sem custos para utilizadores; ligação com redes mais amplas (públicas, regionais, internacionais) de outra forma as desigualdades entre os utilizadores continuarão a acontecer ou ainda a acentuar-se mais.
Em síntese: Um Manifesto para o futuro
O Manifesto de 2000 ajudou a consolidar a biblioteca escolar como parceira da educação. O de 2025 projeta-a como motor de inclusão, inovação e cidadania digital.
Ambos partilham o mesmo núcleo de valores essenciais: acesso universal, liberdade intelectual, promoção da leitura e literacias, defesa de profissionais qualificados. Mas o novo documento, num mundo marcado pela complexidade digital, pela diversidade social e pelos compromissos globais de desenvolvimento sustentável, reforça o papel transformador da biblioteca escolar.
Mais do que uma simples atualização, trata-se de um apelo: as bibliotecas escolares continuam a ser indispensáveis. O futuro da educação precisa delas — mais fortes, mais visíveis e mais integradas.
O Grupo de Trabalho de Bibliotecas Escolares
João Paulo Proença