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Dia Internacional dos Museus: o museu como centro cultural, ou o futuro da tradição

O Dia Internacional dos Museus, organizado pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) foi celebrado pela primeira vez em 1977. Desde então, cada vez mais museus em todo o mundo têm vindo a participar no evento, que ocorre a 18 de maio, em ações que, em 2018, mobilizaram mais de 37.000 museus em 158 países.

Pare este ano, o ICOM escolheu, como tema do Dia Internacional dos Museus, “Os Museus como centros culturais: o futuro da tradição” que é, igualmente, o tema da Conferência Geral ICOM Kyoto 2019 (1-7 de setembro).

Dia Internacional dos Museus 2019: cartaz
ICOM, 2019

A tradução para português é menos expressiva do que a versão em inglês: “Museums as cultural hubs”. A utilização do termo “hub” (em português, concentrador), que remete para o processo de transmissão da informação para múltiplos recetores em simultâneo e para a pluralidade de conexões numa rede digital, alude à transformação do museu que ultrapassa o estaticismo que o caraterizou até à segunda metade do século XX, para se tornar mais interativo e flexível. Dada a dificuldade em traduzir o termo “hub” de forma claramente apreensível, a versão em francês optou por “plataformes culturelles [plataformas culturais]”, talvez mais de acordo com a intencionalidade de estabelecer uma analogia terminológica com o universo digital.

Esta transformação é paralela a uma mudança que se tem vindo a registar nos museus, com reflexo na definição das suas funções e políticas de ação. Inicialmente focados no “objeto” e na sua materialidade, o objetivo crucial da ação do museu era a sua preservação, conservação e segurança, da qual derivavam as ações de investigação, exposição e comunicação. Embora mantenha o fulcro destas missões primárias, os museus têm vindo a desviar o eixo da sua atuação no sentido dos seus públicos diversificados e, cada vez mais, plurais.

No contexto cultural das sociedades pós-modernas, o museu assume uma atitude proactiva na promoção da diversidade dos seus públicos, recuperando e promovendo as suas memórias. Nesse sentido, o museu abdica do discurso autoritário e monológico que o caraterizava para incluir nos seus programas as narrativas de povos e grupos geralmente esquecidos ou marginalizados pelas elites intelectuais que definiam o discurso museológico e estabelecer um diálogo entre culturas.

A tradição do museu é a preservação memória; porém, esta memória é, hoje, encarada de forma abrangente e globalizada. A consciência do legado destas memórias obriga a repensar as coleções na complexidade das suas componentes materiais e imateriais.

A ação focada no “objeto” e na sua materialidade era fortemente condicionada pelo objetivo de o preservar para as gerações futuras. Ao considerar o público como parte integrante e fulcral da ação museológica, o objetivo do museu é comunicar o objeto, na integralidade dos seus aspetos visuais às gerações do presente. Enquanto o objeto apenas era exposto aos olhos do visitante, envolvia uma atitude de observação passiva, ou a “pura visibilidade” dos seus elementos formais e estéticos, agora pretende-se que o museu provoque o visitante, facilite a apreensão do significado daquilo que vê e estimule as suas memórias, isto é, que o museu estabeleça uma conexão efetiva entre objeto-observado e público-observador, seja real ou virtual.

Ao contrário do discurso museológico, elaborado pela cultura de elite, numa vertente intelectual e racional, a inclusão das memórias e narrativas provenientes dos seus interlocutores e com referências à cultura de massas, implica a interligação entre a razão, o sentimento e a emoção. Em vez da dualidade entre razão e emoção que, de alguma forma, continua a prevalecer e a influenciar a cultura hodierna, propõe-se a articulação entre ambas (cfr. Damásio, 1995) para a criação de experiências mais imersivas no museu. O conhecimento deriva da experiência pessoal e envolve as emoções básicas, apesar das diferenças culturais em que estas se desenvolvem, tal como defenderam Shaver, Schwartz, Kirson, & O’Connor (1987), num artigo seminal sobre a correlação entre conhecimento e emoção: “emotions play a central role in individual experience and interpersonal relations” (op. cit., p. 1061). Nesse sentido, o discurso museológico procura criar conexões afetivas ao objeto que, definitivamente, se torna musealium . A  tradição no museu é um elemento identitário que proporciona uma alternativa válida à globalização e hibridização cultural, mas, sob o risco de anquilosar, é reavaliada através do confronto com memórias de todos os grupos e daqueles que estiveram na origem do objeto, daqueles que lhe forneceram o contexto, lhe atribuíram uma função e lhe conferiram um sentido. É através da disponibilização destes conteúdos semântico que o museu cumpre uma função inclusiva no processo de mediação cultural.

O futuro da tradição assenta na conetividade. Ao mesmo tempo que estabelece conexões entre objeto e público(s), o museu é parte integrante de uma rede global, constituindo-se como uma plataforma (centro cultural ou cultural hub), onde as diversas culturas e grupos culturais se integram e reconhecem a sua identidade.

Referências biblográficas:
Damásio, A. R. (2011). O erro de Descartes: Emoção, razão e cérebro humano (ed. rev. e atual.). Lisboa: Temas e Debates, Círculo de Leitores.
Shaver, P., Schwartz, J., Kirson, D., & O’Connor, G. (1987). Emotion knowledge: Further exploration of a prototype approach. Journal of Personality and Social Psychology, 52(6), 1061-1086. DOI: 10.1037//0022-3514.52.6.1061
Stránský, Z. Z. (1974). Metologicke otazky dokumentace soucasnosti. Muzeologicke Sesity, (5), 13-43.


Fonte: Dia Internacional dos Museus: o museu como centro cultural, ou o futuro da tradição

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