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Natal do patrão. Natal do trabalhador

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Que calor! Que desenfreado calor diria Machado de Assis. Solstício de verão nas redondezas. Com ele o suor público, gratuito e de qualidade. Férias, praia, festividades entre familiares e amigos, botecos e Faustão. Para alguns nada ou quase nada disso é realidade, mas não vamos estragar as festas com esses pequenos detalhes. Em dezembrão também não falta patrão tentando equilibrar as relações de produção com presentinhos. Marx brincaria com a ideia de diminuir as tensões de classe para manter tudo tal como sempre está. Assim, no final do turno, no rol de entrada ou na mesa dos Recursos Humanos, o trabalhador é agraciado com aquela cesta de ráfia embrulhada com uma bobina de papel celofane. Lacinho vermelho. Natal, natal, Jesus é meu…Natal, natal, Jesus nasceu. Você merece essa cesta e muito mais, meu colaborador, pela incrível dedicação deste ano de 2019. Diz sem nenhum rubor, o patrão. Dentro da cesta, é claro, quitutes das mais variadas marcas e com a mesma pouca qualidade. Frango com hormônio que o patrão chama de peru e o trabalhador chama de comida. Espumante que o patrão chama de champagne e o trabalhador de bebida. Chuchu doce e avermelhado que o patrão chama de cereja e o trabalhador de sobremesa. Cesta completa que o patrão chama de boa ação e o trabalhador aceita de coração. Aumento de salário? Melhores condições de trabalho? Carteira assinada? Direitos trabalhistas? Aposentadoria? Que nada. Uma cesta bem recheada é sinal de gratidão. A boa intenção de um patrão não tem preço nem direitos. É claro que depois de pegar a cesta o trabalhador não está liberado para comemorar com os seus queridos. É preciso que o comércio fique aberto até a noite do dia 24 de dezembro. Afinal, brasileiro deixa prá comprar sempre na última hora, né?! Diz sem nenhum rubor em uma entrevista na TV Globo, o patrão. Talvez porque o trabalhador está preso em seu trabalho até a última hora. Só talvez. O certo é que o patrão já havia viajado muito antes da entrega da cesta e de sua boa ação. Viagem que mereceu por dar empregos, pagar impostos e ser um homem de bem. Para entregar a cesta natalina e fazer as vezes de Noel foi escalado outro trabalhador. Um dos tantos que foi enganado com a conversa de que trabalhando também será patrão. Basta querer e se esforçar, disse sorrindo o patrão quando pediu esse favorzinho que acontece às vésperas do Natal. O verdadeiro patrão viajou. O verdadeiro trabalhador ficou. Alguém precisa fazer com que a roda da exploração e do consumo, digo, da empregabilidade e da felicidade, continue. Ah…Nossa cultura dezembrina!

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Thiago David Stadler

Doutor em História. Professor Adjunto do Colegiado de Filosofia da Universidade Estadual do Paraná campus de União da Vitoria. Contato: thibastadler@gmail.com

Fonte: Natal do patrão. Natal do trabalhador

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