Quem é quem na museologia portuguesa
Ferreira, E., Monteiro, J. O. & Silva, R. H. (Eds. lit.). (2019). Dicionário: Quem é quem na museologia portuguesa (v. 1). Lisboa: Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Nova. Disponível em https://institutodehistoriadaarte.files.wordpress.com/2019/03/dicionario_quemquem.pdf
O Dicionário: Quem é quem na museologia portuguesa é uma obra fulcral para a história dos museus e da museologia em Portugal, mas é também o registo e o reconhecimento da obra dos profissionais que a construíram, resgatando alguns de um esquecimento anunciado.
Como objetivo fundamental, propõe-se facultar uma visão abrangente, um conhecimento preciso e uma valorização atualizada das personalidades ligadas à museologia portuguesa, atuantes em diferentes tipologias científicas. Visa contribuir, também, para uma mais ampla compreensão da história dos museus e da museologia. (“Editorial”, p. 3)
O primeiro volume – apesar de a informação de capa e do colofão não o referir, depreende-se da leitura do editorial que se trata de uma edição em dois volumes – inclui 93 entradas com a biografia de personalidades relevantes no âmbito da museologia, nos vários domínios científicos, e cuja atividade tenha decorrido entre os primórdios da atividade museológica em Portugal, no século XVIII, e a década de 1960.
A delimitação cronológica do objeto de estudo, exclui, a montante, as atividades paramuseológicas pelo que alguns nomes proeminentes, como Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814) ou Frei José Maine (1723-1792), apenas são referidos de passagem noutras entradas. Em contrapartida, há uma entrada para Frei José Batista da Costa Azevedo (1763-1822) que, sendo praticamente da mesma época, não terá tido um papel tão determinante para a história da museologia portuguesa. A jusante, justifica-se a baliza da década de 1960 para correr o risco fazer uma análise pouco objetiva de profissionais que da estejam no ativo ou que o tenham estado até datas muito recentes. Regista-se, no entanto, o caso excecional de Adília Alarcão, cuja atividade teve início precisamente na década de 1960 e se manteve quase até à atualidade, sendo, inclusivamente, autora de uma das entradas.
O Dicionário tem o mérito de recuperar nomes e factos. Restabelece as suas ligações aos museus, identificando percursos e relações entre personalidades e universos distintos. Reconstrói histórias de vidas que se cruzaram com a museologia, mesmo que sejam mais conhecidos noutros domínios, como a figura incontornável do historiador e crítico de arte José-Augusto França cuja obra foi determinante para a museologia da arte contemporânea. Redesenha-se, nestas sínteses biográficas, o quadro da informação dispersa em trabalhos académicos, publicações de museus, documentação de arquivo. Integra, também, a referência a colecionadores e patronos, como António de Medeiros e Almeida, ou o conde de Carvalhido (Luís Augusto Ferreira de Almeida).
Não seria viável um elenco exaustivo de nomes ligados à museologia em mais de dois séculos de múltiplas dinâmicas e processos. Poderá parecer abusivo apontar erros ou fragilidades num projeto que se adivinha de grande complexidade na articulação todos os contributos. No entanto, há algumas ausências flagrantes, como a D. Manuel Correia de Bastos Pina, bispo-conde de Coimbra, fundador do Museu de Arte Sacra, junto à Sé Nova, o qual, segundo Ramalho Ortigão, era “o mais completo e mais interessante museu de ourivesaria sagrada que existe em Portugal” (Ortigão, 1896, p. 169-170). Além da sua importância para a história do Museu Machado de Castro, D. Manuel de Bastos Pina teve uma ação pioneira na definição de critérios para a museologia da religião (Roque, 2011). Pode, ainda, registar-se outras ausências, como a de António Tomás da Fonseca e António José Nunes, os dois primeiros diretores do Museu de Arte Antiga, ou Marques Gomes, diretor e historiador do Museu de Aveiro, e cuja relevância não será menor do que a de alguns nomes incluídos no dicionário. E, posteriormente, mas dentro do arco cronológico definido, as figuras incontornáveis de João Couto, do Museu Nacional de Arte Antiga, de Abel Flórido, do Museu de Lamego, ou de Almeida Moreira, do Museu Grão Vasco (e também da Casa Museu com o seu nome e a sua coleção), ou de Madalena Cabral, fundadora do primeiro Serviço Educativo em Portugal, no Museu Nacional de Arte Antiga.
O anúncio de que está prevista uma segunda edição para o próximo ano permite a expetativa de que estas ausências sejam, então, colmatadas. De resto, é esse o sentido da advertência inserida no editorial: “as entradas que não foram atempadamente entregues, mas estão atribuídas, integrarão a segunda edição deste volume […]. Serão também criadas novas entradas para preencher lacunas que venham a ser detetadas e cada um dos autores poderá atualizar os seus artigos” (p. 3).
A obra encontra-se em acesso livre no sítio oficial eletrónico do Instituto de História de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (IHA-FCSH/NOVA), no qual foi desenvolvido no âmbito de um projeto da linha de investigação Estudos de Museus, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia e a colaboração da Direção-Geral do Património Cultural, sob a coordenação científica e editorial de Emília Ferreira, Joana d’Oliva Monteiro e Raquel Henriques da Silva. Os 52 autores que colaboram neste volume responderam a uma chamada pública e os seus contributos foram submetidos a arbitragem científica realizada por uma comissão de 19 investigadores, a maioria dos quais recrutados no IHA-FCSH/NOVA.
Apesar da chamada pública alargada a colaborações externas à academia, era inevitável que esta obra refletisse os estudos realizados em dissertações de mestrado e teses de doutoramento realizadas nos últimos anos. Em certa medida, isso explicará a introdução de alguns nomes menos conhecidos ou à beira do esquecimento, mas também algumas das ausências acima identificadas.
A obra assume-se como “um corpus em construção”, afirmando-se, no editorial, que este projeto “aposta nas virtualidades da publicação online em acesso aberto, potenciadora de uma proveitosa interação entre utilizadores e recursos, em permanente atualização” (p. 3). A edição em suporte digital permitiu a expetativa de que fosse, de facto, uma obra dinâmica, em constante crescimento e atualização. Por outro lado, a edição com e-issn (978-989-54405-0-4) pressupõe uma publicação digital periódica (e não monografia como é sugerido). No entanto, a opção pelo formato em PDF (Portable Document Format), num documento único e com paginação sequencial, limita ou, mesmo, inibe as alterações. Apesar das hiperligações existentes, limitadas ao índice e aos verbetes, e da possibilidade de pesquisa por palavra em texto livre, a interação com o utilizador não existe.
Era expetável a opção por um formaro mais fluído e dinâmico, tanto do ponto de vista do utilizador, como sobretudo da gestão dos conteúdos. Não faz sentido justificar algumas ausências inexplicáveis com afirmação a de que há mais verbetes concluídos ou em fase de conclusão, mas que terão de esperar uma atualização no próximo volume. A própria referência bibliográfica da obra irá resultar confusa: um verbete que, nesta edição, está em determinadas páginas, vai ter uma referência diferente a cada atualização/edição? Ou os verbetes que constam nesta edição já não constarão da próxima? E se for esse o caso, não se perde a lógica da organização de um dicionário? Coloca ainda outras questões relativas à recuperação da informação: este endereço eletrónico é permanente? De que forma Todas estas questões teriam sido resolvidas através da escolha de um modelo mais adequado, com as funcionalidades de uma base de dados, onde inclusivamente estivessem indicados os verbetes previstos, mesmo que não disponíveis. Eliminaria também os erros que detetados no índice remissivo, como a entrada de Vergílio Correia sem paginação, ou o nome de Raquel Henriques da Siva na letra “P”.
Pese, embora, algumas falhas, gralhas e inconsistências detetadas mesmo numa observação superficial e irregular, o resultado, materializado nesta publicação, é obviamente positivo. Esta é uma obra de vulto que não desmerece a autoridade de quem a organiza.
Referências bibliográficas:
Roque, M. I. (2011). O sagrado no museu: Musealização de objectos do culto católico em contexto português. Lisboa: Universidade Católica Editora.
Ortigão, R. (1896). O culto da arte em Portugal. Lisboa: A.M. Pereira.